Entrevista - Ricardo de Miranda - Foto: Arquivo CISECO

PERGUNTA: O senhor poderia descrever em linhas gerais o foco a ser abordado em sua conferência do Pentálogo X?

RESPOSTA: Então, a postura do nosso projeto vai ser contar qual é a nossa posição em relação à avaliação dos impactos do óleo daqui pra frente. Nós somos o PELD, um projeto ecológico de monitoramento a longo prazo, que faz o monitoramento não só ecológico mas social da área de preservação ambiental Costa dos Corais. Já temos um histórico de três anos realizando pesquisas ecológicas e sociais nessa região. É a região que foi diretamente afetada pelo óleo. Nada mais, nada menos, vamos continuar monitorando para avaliar o antes, que são os dados que temos, e agora, o depois do derramamento. Esse derramamento com certeza tem um impacto na parte biológica e social, então, o nosso foco nesse evento vai ser mostrar um pouco do nosso projeto, o histórico que já temos dos dados nessa região. Temos parcerias – nosso projeto é executado em parceria com os órgãos ambientais, como o ICMBio, que é o órgão que faz basicamente a unidade de preservação ali, e temos parcerias com líderes de comunidades também e ONGs. Então, basicamente vamos falar um pouco do nosso projeto e falar como estamos nos programando para daqui pra frente avaliar os impactos do óleo nessa região.

 

P: Do ponto de vista dos seus interesses de estudo e das pesquisas desenvolvidas pelo PELD, qual é a leitura que o senhor faz sobre o vazamento de óleo no litoral do Nordeste? E, particularmente, quais os efeitos a curto, médio e longo prazo para o contexto social e humano da região?

R:Essa segunda pergunta é um problema bem complexo. Pode-se afirmar com certeza que é o pior desastre ambiental do Nordeste dos ambientes costeiro-marinhos. Os impactos ainda estão longe de serem avaliados. O que a gente pode ver e o que a gente pode falar são os impactos diretos do contato do óleo, por exemplo, para os corais. . O contato direto do óleo com os corais pode causar o sufocamento, a mortalidade por sombreamento, a redução da cobertura dos corais dos recifes. Esse é um impacto de curto prazo. Pode-se dizer, assim, que onde o óleo chegou e recobriu os corais, eles podem morrer se ele ficar recoberto. O impacto de médio a longo prazo, é que o óleo pode causar deficiência no crescimento, na reprodução, no desenvolvimento dos corais, que são animais superimportantes para o crescimento dos recifes e manutenção e associação de outras espécies comercialmente importantes, como peixes, polvos, lagostas, outros crustáceos, enfim, outros moluscos. Então, um impacto direto nos corais pode afetar toda a cadeia alimentar dos recifes. É um ambiente superimportante para o turismo, para o fornecimento de renda, para o bem-estar, qualidade de vida das pessoas, então esse pode ser um impacto a médio e longo prazo. Agora, a gente não pode afirmar os impactos a longo prazo, porque a gente precisa começar a avaliar, e é isso que o PELD está fazendo. Começando a se propor a fazer agora. Então vamos precisar de anos para ter realmente uma noção do impacto que esse desastre causou nesses ecossistemas, mas já podemos afirmar, por exemplo, que pescadores estão sendo altamente prejudicados, não estão conseguindo vender seus peixes nas regiões mais afetadas. Existe um problema de saúde do contato direto com esse óleo, então não só das pessoas que atuaram na remoção como desses pescadores que estão ainda atuando nessas regiões onde o óleo chegou forte, como na região da APA, por exemplo, Maragogi Japaratinga. Pode-se dizer que o principal impacto está sendo nas pescadoras mulheres, porque são o público que está em contato direto com o sedimento e nas regiões onde o óleo afetou. As pescadoras atuam diretamente na praia e nas regiões de mangue, catando mariscos, então elas estão em contato direto com o sedimento e com a água que foi atingida pelo óleo. Os pescadores, de forma geral, atuam mais em alto mar, pegam suas embarcações e vão para regiões mais afastadas da costa. Então, pode-se dizer que o público que mais está sofrendo com esse impacto, especialmente na APA Costa dos Corais, são as pescadoras mulheres, mas, de uma forma geral, os pescadores, porque eles estão sofrendo com a diminuição dos turistas, e eles vivem disso, e muitos deles não conseguem vender os pescados e mariscos que coletam por conta do medo que as pessoas têm em relação à toxicidade do óleo.

Então, um impacto a curto prazo é um impacto ecológico direto, não só nas espécies que foram encontradas recobertas de óleo, como alguns corais, tartarugas, golfinhos, algas, esponjas e outros organismos, mas também impactos sociais, como esse impacto da pesca que comentei, impacto no turismo, principalmente agora que estamos chegando em alta estação do verão, que é a época que o maior número de turistas visita a região. Muitos deles estão escolhendo outros lugares, por conta da toxicidade do óleo e por conta das incertezas que isso pode causar para saúde e até para alimentação, com esses organismos que entram em contato com o óleo no sedimento e na água. É um impacto sem precedentes. É um impacto que está longe de ser completamente avaliado, ele está apenas começando. Ele ocorreu há pouco tempo e ainda está ocorrendo. É importante destacar isso: o óleo não acabou, o óleo ainda continua em várias regiões no sedimento, ainda continua sendo removido de alguns locais. E com certeza é um impacto que vai durar anos, talvez até décadas para serem realmente avaliado os impactos a médio e longo prazo.

Então, do ponto de vista do PELD, vamos avaliar os impactos, não só ecológicos, como nos corais, nos peixes, nas áreas que foram atingidas pelo óleo, algumas delas que já monitorávamos, como Maragogi e Japaratinga. Vamos avaliar os impactos no turismo, na saúde dos pescadores, na qualidade do pescado que esses pescadores estão usando, esses recursos dessa região, nos serviços do ecossistema, que chamamos de serviços culturais, o bem-estar das pessoas. Será que isso foi afetado? É um tema sobre o qual vamos nos debruçar.

Vamos avaliar também o índice de toxicidade de diferentes espécies da cadeia, desde o sedimento água até espécies de base de cadeia. Como alguns vegetais, algumas algas, corais, outros organismos que consomem esses organismos, como peixes, por exemplo. Enfim, vamos montar uma proposta para fazer uma avaliação de curto prazo e de médio e longo prazo para avaliar não só esses impactos mais diretos, que chamamos de impactos agudos, que são os impactos a curto prazo; como os impactos crônicos, que são os impactos a longo prazo e que não conseguimos ver a olho nu, mas que estão ocorrendo.

 

P: Como os pesquisadores da sua área realizam pesquisas sobre fenômenos que emergem de um modo tão imprevisto e impactante como este e que precisam de resultados que possam esclarecer de modo satisfatório a população?

R: É um grande desafio, principalmente em um cenário político tão complicado como o que estamos vivendo no Brasil, com os cortes de verbas, questionamentos e ataques à ciência, desmantelamento da estrutura dos órgãos ambientais... É necessário um planejamento que vise respostas a longo prazo dos impactos, pois somente dessa forma iremos conseguir esclarecer o real impacto desse acidente de modo satisfatório à população.

 

P: Como jornalistas, temos ouvido vários relatos sobre as implicações deste fato a respeito da questão alimentar da população. Seria possível tecer algumas informações que possam orientar as pessoas em termos de: contato com a água; contato com alimentos derivados do mar; pesca de alimentos marítimos; e outros aspectos que por ventura impactariam as rotinas sob os horizontes biológicos dos indivíduos?

R: A questão de saúde e segurança alimentar é uma questão crítica, que deve ser tratada como prioritária e emergencial... Os principais atingidos pelo desastre são os pescadores e marisqueiras que dependem diretamente dos recursos marinhos para consumo ou venda para sobreviver. São essas pessoas que estão em contato direto todos os dias com a água e o sedimento das praias que foram mais afetadas... Elas são as pessoas que devem ser priorizadas para assistência nesse momento crítico.

Seria fácil dar uma orientação para as pessoas (turistas e visitantes) evitarem a visita às áreas mais afetadas pelo óleo, evitar comer os pescados (peixes e mariscos) que vem da região mais afetada... Mas como ficam as pessoas que vivem desse turismo? Que vivem do dinheiro que os turistas deixam nessas comunidades? E os pescadores que continuam comendo esse pescado dessa região?? Tudo isso deve ser levado em consideração. É necessária uma estratégia a nível de governo para lidar com a situação social primeiramente. Como pesquisadores, o nosso papel é avaliar os impactos biológicos e sociais e gerar informação que seja útil à sociedade o mais rápido possível... Porém, até para ter respostas conclusivas, leva tempo. As pesquisas precisam ter planejamento a longo prazo... Porém, quem não pode esperar são pessoas que dependem dessas áreas afetadas para sobreviver, é isso que deve ser priorizado nesse momento, além de medidas que visem a recuperação e conservação dos ambientes que foram diretamente afetados pelo óleo, é claro.

 

P: Que lições podem ser tiradas desses acontecimentos?

R: As lições que podem ser tiradas é de que precisamos abrir os olhos para a maneira como estamos conduzindo a nossa forma de viver... Precisamos investir na proteção e monitoramento da nossa maior riqueza, que são os sistemas naturais e as pessoas do Brasil.

Ações de monitoramento e planejamento ambiental são urgentes e necessárias para evitar que um desastre como esse volte a ocorrer... O mar é um ambiente que precisa ser melhor cuidado e lidado com muita atenção... Ainda é um sistema muito pouco conhecido... Esse desastre tem que ser usado para chamar atenção da sociedade para a importância dos oceanos para a saúde, qualidade de vida das pessoas e das espécies, além das questões sociais do Brasil.

 

P: O Brasil estaria preparado em termos de tecnologias para pesquisar as causas deste desastre?

R: As causas desse acidente tratam de questões de investigação criminal, e as ferramentas de pesquisas, usando sensoriamento remoto e modelagem espacial matemática, já estão disponíveis e sendo utilizadas para auxiliar essas investigações... Porém, por se tratar de um território de águas internacionais, o problema é muito mais complexo e vai precisar de cooperação de outros países.