Há quase vinte meses convivemos com a pandemia da Covid-19 que tem afetado a vida do planeta e cujas referências mais traumáticas, em termos sociais e de sentidos, são mortes em todos os países e, especificamente, no Brasil, onde já ocorreram mais de 600 mil óbitos. O vírus ingressou no cenário social entre anúncios que o simplificavam como uma “gripezinha” ou uma peste indefinida. Mas sua manifestação se fez em ritmo galopante, desencadeando sentidos à medida em que seus efeitos incidiam sobre corpos, expostos às várias formas de desamparo: discursos enunciados por saberes de várias naturezas descreviam que milhares de vidas foram transformadas em uma nova modalidade de coletivo e lançadas, segundo precárias referências de identidade, em jazigos improvisados e sem o amparo dos rituais de despedidas. Entraram em circulação relatos mostrando cenários de agonia, horror, estupefação ou de normalidade, segundo mensagens de autoridades governamentais.

Emergiram dos mass media coberturas descrevendo disseminação do vírus e seus efeitos sobre instituições hospitalares carentes (ou privadas) de medicamentos e equipamentos para socorrer pacientes, cemitérios desprovidos de covas; e famílias perambularam, pelas ruas e filas, em busca de auxílios para sobreviverem. Instaurou-se uma espécie de conversação pública com profissionais de saúde saindo dos seus consultórios e de serviços de saúde, fazendo circular mensagens pregando o isolamento como forma de prevenção. A internet tornou-se fonte de embates de sentidos, transformada em campo de batalha das práticas discursivas em redes, envolvendo instituições e atores sociais. Da pugna de combate entre sistemas sociais emergiu a adoção de medicação sem efeito comprovado. E, de modo retardado, campanhas de vacinação, que ainda se arrastam, contribuindo para conter as mortes; no cenário de disputas de sentidos desencadearam-se, ao mesmo tempo, fake news e a ação coletiva dos meios de comunicação, atuando na revelação de dados oficiais da pandemia, uma vez que havia desconfiança e incredulidade sobre relatórios oficiais com registros de número de mortes e de enfermos. Com vidas perdidas para a doença, perderam-se, também, muitos sonhos, surgiram ilusões e se fragilizaram crenças nos dispositivos institucionais que deveriam cuidar da vida e da saúde dos indivíduos.

A circulação social de sentidos, potencializada pela midiatização, desencadeou modalidade de enunciação na qual a morte aparecia proclamada como narrativa automatizada, cadenciada entre relatos lineares e permeada por construções de desmentidos.

Neste ambiente de vida e morte, em que muitas enunciações exteriorizam marcas de sofrimento pelos que se foram e pelos tempos incertos do dia seguinte, o CISECO anuncia neste contexto de múltiplos sentidos - lutas, perdas, desamparos, reverencias, esperança e vida - a realização do seu Pentálogo XI e elege a pandemia e narrativas sobre sua manifestação, como tema dos seus trabalhos. Para tomar esta decisão, passamos pelo momento em que a pandemia impactou a todos, deixando como fantasmas efeitos de desamparos a serem enfrentados. No contexto e trajeto de vida e morte, elegemos enunciações deste momento, como objeto e tema de nossa reunião.

 Ainda sem retomar o cenário que caracterizava a realização do nosso encontro anual, em caráter presencial, em Japaratinga (Alagoas), adotamos outro trajeto, como possibilidades de interlocução, conforme experimentamos já em 2020 e, no ano corrente.

Neste período, instituímos outra forma de vínculo com nossos interlocutores, com a realização de entrevistas, disponibilizadas no canal do CISECO no YouTube, com especialistas em comunicação e de áreas afins, sobre o tema “pandemia e produção de sentidos”. Refletimos sobre estratégias de diferentes instituições que, afetadas pela pandemia, interrogavam-se sobre a importância de ações comunicacionais para enfrentar seus efeitos no âmbito de suas atividades. Num segundo momento, aprofundamos as questões suscitadas pelas entrevistas, veiculando alguns de seus conteúdos no livro “Pandemia e Produção de Sentidos: relatos, diálogos e discursos”, que está sendo lançado durante os trabalhos do Pentálogo XI.

Pistas reveladas neste livro, em circulação, suscitaram a temática do Pentálogo XI. Tal escolha move-nos no desejo de promover reflexões e discussões sobre as construções e as disputas de sentidos em torno do fenômeno que tanto nos afeta na atualidade. Temos o firme propósito de dialogar com diferentes sistemas e suas práticas que, afetados pela pandemia, os leva a se defrontarem com esta problemática sob a perspectiva da comunicação e da semiótica. Para tanto, enumeramos apenas alguns aspectos a serem refletidos no Pentálogo XI.

A organização social na qual se dissemina a Covid-19, e as forma de combatê-la, é constituída por complexos entrelaçamentos de diversas práticas socioinstitucionais (e discursivas). Centradas em suas epistemologias, valem-se de estratégias de diferentes naturezas, que se colocam em contato, para ensejar a enunciação e circulação de formas de lutas e de disputas de sentidos sobre a pandemia.

As operações geradas nas estratégias de interpenetrações institucionais materializam-se em termos de linguagens e se exteriorizam em mensagens, cujas marcas de sentidos são ofertadas no âmbito da circulação social, tendo como referência, matrizes identitárias, epistemológicas de várias filiações e motivações (política, jurídica, sanitária, midiática, científica etc.).

O cenário da pandemia, de complexa circulação de mensagens, aponta a importância do trabalho analítico da semiótica operativa sobre o funcionamento de signos, em termos de operações discursivas a partir das quais se configuram sentidos sobre a pandemia, e que se forjam em diferentes sistemas sociais e suas práticas. Situamos a questão da produção de sentidos à luz de perspectiva que vê o processo comunicacional – seja interpessoal ou institucional – enquanto interação que se trava na esfera de disputas. As possibilidades de construção de vínculos a serem gerados, se fazem em torno do trabalho de feixes de relações, envolvendo distintos postulados, gramáticas, regras, lógicas etc. Nada se pode saber a priori dos sentidos aí engendrados, considerando-se dinâmicas não lineares do trabalho que se faz na esfera da circulação. As disputas de sentidos se configuram, portanto, em torno de diferenças que se expressam a partir de operações de enunciações que se oferecem para o trabalho investigativo e de cunho interpretativo.

As expectativas deste Pentálogo vão além da tematização que caracteriza disputas de sentidos, exercício que seria de fácil alcance, via exercícios semânticos etc. A ambição da semiótica prioriza o exame de pistas e marcas que são oferecidas pelos âmbitos das linguagens e seu funcionamento. Elegemos, para tanto, o universo complexo da circulação como referência observacional, para que possamos descrever, além das estratégias visíveis, outras operações de sentidos em disputa. Considerando que vivemos não apenas uma pandemia, mas também uma infodemia, interroga-se como ler a miríade de dados que se nos apresentam em tempos de Fake News, desinformação, pós-verdade, negacionismo? E ainda, como a pandemia em oferta dá a ver, o que desvela, em face às desigualdades (locais e globais) já tão explícitas antes do coronavírus?

Ao lançar estas questões como subsídios do Pentálogo XI, move-nos o desafio que a pandemia lança aos saberes a subsidiar nossas reflexões. Entendemos que quando falamos em disputas de sentidos, problematizamos, também, as complexas relações sociais e teias discursivas tecidas em torno de saberes.

O CISECO nasceu no contexto de interpenetração de saberes. Abraçado pela comunidade de Japaratinga, desde a sua inauguração, em 2009, compartilha também seus passos com saberes, afetos e culturas das instituições e atores locais que têm nos acolhido. E renovamos nosso desejo de, em um futuro breve, ali retornar, compartilhando signos que enriqueçam nosso trabalho em interação com a sua comunidade. Estas marcas sensoriais são fundamentos daquilo que o nosso fundador, Eliseo Verón, nos lembrou sempre, ao chamar atenção para os sinais que a percepção é capaz de captar, gerando semioses de diversos tipos e matizes.